terça-feira, 10 de junho de 2008

O sentido da Vida !

Sísifo e o sentido da vida

"O mais desejável é viver uma vida com sentido e não uma vida que parece subjectivamente ter sentido".Susan Wolf

Albert Camus inicia o seu famoso livro sobre o mito de Sísifo declarando que só há um problema filosófico verdadeiramente importante: o suicídio. A ideia é que é urgente descobrir se a vida faz ou não sentido — pois se não fizer, resta-nos o suicídio. Muitas pessoas que desconhecem a filosofia pensam que descobrir o sentido da vida é a tarefa fundamental, senão a única, da filosofia. Contudo, isto é um exagero dramático, semelhante ao erro de pensar que a filosofia tem por objecto de estudo unicamente "os valores". A filosofia tem uma enorme amplitude e qualquer visão redutora deste género falseia a sua natureza. Quem está a par da discussão filosófica contemporânea, e dos grandes clássicos da filosofia, sabe que o problema do sentido da vida não tem sido uma preocupação central dos filósofos. Contudo, nos últimos anos este problema tem recebido cada vez mais atenção por parte de filósofos tão importantes como Thomas Nagel, Robert Nozick, David Wiggins e Peter Singer, entre muitos outros.
Neste capítulo, defende-se uma perspectiva objectivista, naturalista e optimista do sentido da vida. Objectivista, porque se defende que o sentido da vida não é independente da realidade. Naturalista porque se defende uma posição não religiosa. E optimista porque se defende que é possível viver uma vida com sentido.
Ao objectivismo quanto ao sentido opõe-se o subjectivismo: a ideia de que o sentido da vida depende exclusivamente da satisfação que a pessoa sente. Assim, deste ponto de vista, uma pessoa permanentemente drogada, por exemplo, tem uma vida com sentido desde que se sinta feliz. O subjectivismo foi muito popular na fase positivista da filosofia contemporânea — a mesma fase que viu os filósofos a defender o subjectivismo em ética — mas foi hoje quase totalmente abandonado.
Uma das motivações para o subjectivismo optimista é a ideia de que, de um ponto de vista mais alargado, a nossa vida não faz realmente sentido. Assim, os optimistas quanto ao sentido subjectivo da vida são geralmente pessimistas quanto ao sentido objectivo (mas podem igualmente defender que o sentido objectivo não é sequer inteligível). Contudo, na história da filosofia também encontramos pessimistas quanto ao sentido subjectivo da vida, como Schopenhauer:
Que a vida humana tem de ser um tipo qualquer de erro é suficiente demonstrar pela simples observação seguinte: o homem é um composto de necessidades que são difíceis de satisfazer; a sua satisfação nada alcança a não ser uma condição dolorosa na qual o homem sucumbe ao tédio; e o tédio é uma demonstração directa de que a existência não tem em si qualquer valor, pois o tédio não é senão a sensação de que a existência é vazia. Pois se a vida, que a nossa essência e existência deseja, tivesse em si um valor positivo e um conteúdo real, o tédio seria coisa que não existiria: a mera existência seria suficiente para nos realizar e satisfazer. Tal como as coisas são, não temos qualquer prazer na existência excepto quando lutamos por algo — caso em que a distância e as dificuldades fazem o nosso objectivo parecer algo que nos satisfaria (uma ilusão que desaparece quando o alcançamos) — ou quando nos entregamos à actividade puramente intelectual, caso em que estamos na realidade a sair da vida como que para a olharmos a partir do exterior, como espectadores numa peça de teatro. Mesmo o próprio prazer sensual consiste numa luta contínua e cessa mal o seu objectivo foi atingido. Sempre que não estamos envolvidos numa ou noutra destas coisas, mas antes damos atenção à própria existência somos assaltados pela sua ausência de valor e fatuidade e esta é a sensação a que se chama "tédio". (Arthur Schopenhauer, "Da Vacuidade da Existência", p. 69)
Conceptualmente, é possível defender uma perspectiva religiosa e simultaneamente pessimista ou subjectiva quanto ao sentido da vida, mas não é muito comum: uma das motivações da visão religiosa do mundo é a ideia de que só o sobrenatural poderá dar objectivamente sentido à vida.
Há um certo antropocentrismo na formulação do problema do sentido da vida, pois subentende-se que se trata da vida humana — ou pelo menos, da vida de seres inteligentes e sofisticados como nós. Por vezes, usa-se igualmente a expressão "sentido da existência", conectando assim o problema do sentido da vida com o problema de saber por que razão há algo e não o nada. A questão de saber por que razão existe o universo relaciona-se com o problema do sentido da vida humana porque se encara muitas vezes este último como uma questão de saber que lugar é ocupado pelos seres humanos na ordem geral das coisas, por assim dizer. Contudo, como veremos, é falso que o sentido da vida dependa exclusivamente do lugar que ocupamos na ordem geral das coisas.
É evidente que o problema do sentido da vida não é linguístico — o termo "sentido" não corre nesta expressão na acepção em que ocorre quando perguntamos qual é o sentido ou significado de uma dada palavra. O problema do sentido da vida é saber se a vida tem finalidade e valor.
Uma actividade não tem sentido se não tiver finalidade. Se alguém caminha sem qualquer razão, essa actividade não tem sentido. Evidentemente, é raro que aconteça tal coisa. Geralmente, as pessoas caminham pelo prazer de caminhar, para ir ao cinema, para ir às compras, para visitar um amigo, para conhecer a cidade ou por outra razão qualquer. Mas têm em geral uma razão ou finalidade.
Podemos distinguir dois tipos de finalidades: as instrumentais e as últimas. Uma finalidade instrumental é apenas um meio para outra finalidade, como quando alguém caminha para ir ao cinema. Chamar "finalidade" ao que pode ser meramente instrumental parece um abuso de linguagem. Afinal, se a única razão pela qual caminho é para ir ao cinema, caminhar não é uma finalidade, de todo em todo, mas apenas um meio. Contudo, as coisas são mais complexas. Uma pessoa pode caminhar para ir ao cinema e ao mesmo tempo caminhar pelo gosto de caminhar — ou, mais subtil, mas muito comum, o gosto que a pessoa tem ao caminhar resulta de saber que caminhar é um meio para ir ao cinema.
Em qualquer caso, podemos distinguir as finalidades instrumentais, sejam ou não meramente instrumentais, das finalidades últimas. Uma finalidade última, ao contrário da instrumental, é uma finalidade cuja razão de ser se esgota em si mesma. Por exemplo, uma pessoa pode ir ao cinema exclusivamente porque gosta de cinema.
Ter uma ou várias finalidades é uma condição necessária para o sentido, mas não suficiente. O mito de Sísifo ilustra bem este aspecto. Condenado pelos deuses, Sísifo tem de empurrar uma monstruosa pedra até ao cimo de um monte. Lá chegado, a pedra escapa-lhe e rola outra vez pela encosta abaixo, o que o obriga a voltar a empurrá-la, repetindo esta ingrata tarefa para todo o sempre. A existência de Sísifo é geralmente entendida como absurda ou sem sentido. Contudo, a sua existência tem uma finalidade: carregar a monstruosa pedra até ao cimo do monte. Pode-se argumentar que a existência de Sísifo não tem sentido porque nunca consegue atingir a sua finalidade; e é verdade que se o sentido da vida depender exclusivamente de uma dada finalidade que não se consegue alcançar, então a vida não terá sentido. Mas o caso de Sísifo parece diferente, pois é defensável que se conseguisse alcançar a sua finalidade, a sua existência seria igualmente destituída de sentido. Isto porque a própria finalidade a que Sísifo foi condenado é destituída de valor. O valor é uma condição necessária para o sentido — mas não é suficiente.
Não é suficiente porque executar mecanicamente e sem entrega actividades que têm finalidade e valor não dá sentido a uma vida. Por exemplo, vacinar dezenas de crianças por dia contra doenças mortais é uma actividade com uma finalidade que tem valor. Contudo, desempenhar tal actividade mecanicamente e sem entrega anula a possibilidade de sentido porque quebra a conexão apropriada entre o agente e a finalidade e valor da actividade. O sentido emerge quando há uma entrega activa a finalidades exequíveis com valor.

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